Internos faziam parte de minorias excluídas do convívio social.
Genocídio é tema do livro "Holocausto brasileiro", de Daniela Arbel
Fellipe Torres - Diário de Pernambuco
Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação |
Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação |
Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação |
Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação |
A matança foi tema de uma premiada série de reportagem produzida em 2011 pela repórter Daniela Arbex, do jornal Tribuna de Minas, agora transformada no livro Holocausto brasileiro (Geração, 256 páginas, R$ 39,90). “Em 2009, um entrevistado me mostrou fotos do manicômio tiradas por Luiz Alfredo e publicadas na revista O Cruzeiro. Nenhuma daquelas imagens me remetia a hospital, e sim a campo de concentração. As pessoas conhecem Barbacena como ‘a capital dos loucos’, sobretudo aqui em Minas Gerais, mas quase ninguém sabe o que se passava de fato em Colônia”, diz a autora.
LEVANTAMENTO
Daniela Arbex. Foto: Fernando Priamo |
Mesmo cinco décadas após ter conhecido in loco a realidade do manicômio, o repórter fotográfico Luiz Alfredo ainda guarda na memória o que viu e registrou. “Diferente do trabalho de um profissional que vai para a África e encontra cenas de miséria por lá, cheguei em Barbacena sem saber direito o que estava fazendo e sem saber o que iria encontrar. De repente vi tudo aquilo. Fiz imagens chocantes”.
Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação |
Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação |
Um dos cabeças do movimento antimanicomial, o psiquiatra italiano Franco Basaglia visitou a instituição em 1979. Logo em seguida, convocou coletiva de imprensa para dar a seguinte declaração: “Estive hoje num campo de concentração nazista. Em lugar nenhum do mundo presenciei tragédia como essa”. À afirmação, somou-se o documentário Em nome da razão, gravado dentro do Hospital Colônia por Helvécio Ratton, considerado o “golpe de misericórdia” de Barbacena. Reformulado, o local abriga hoje cerca de 160 pacientes.
Crédito: Geração Editorial/divulgação |
LIVRO
Holocausto brasileiro, de Daniela Arbex
Editora: Geração
Formato: 15,6 x 23 cm
Páginas: 256
Preço: R$ 39,90
Holocausto brasileiro, de Daniela Arbex
Editora: Geração
Formato: 15,6 x 23 cm
Páginas: 256
Preço: R$ 39,90
A CRUEL REALIDADE PSIQUIÁTRICA
Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação |
Bernardo Dantas/ DP/D.A Press. |
“A Tamarineira se chamava Hospital de Alienados. Era uma uma antecâmara da morte. Havia um niilismo terapêutico, que abria espaço para fome, promiscuidade e outras mazelas”, relata o psiquiatra. “Isso começou a mudar em 1918, com Ulysses Pernambucano, que fez reforma da assistência psiquiátrica no estado”.
ENTREVISTA OTHON BASTOS
Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação |
Sim. Trata-se de um fenômeno pancultural e pan-histórico, ou seja, os transtornos estão presentes em sociedades de todos os tempos. Historicamente, sempre houve discriminação. A própria bíblia se refere aos doentes mentais como “amaldiçoados”. No século 15, dois padres dominicanos escreveram o Malleus Maleficarum, ou, em português, Martelo das bruxas, espécie de manual da inquisição, que descrevia as doenças mentais e relacionava orientações para torturar e matar os doentes.
O isolamento também tem raízes históricas?
Se observarmos o episódio da Queda da Bastilha, na França, veremos que aquela era uma prisão habitada sobretudo por doentes mentais, tanto recolhidos nas ruas quanto entregues pelos parentes. A rejeição familiar é algo muito presente. Há pouca tolerância. Antes dos tratamentos atuais, manter um doente mental em casa em surto agudo era impossível. Hoje ainda é muito difícil. A instituição do asilo para doentes mentais surge com fins filantrópicos, criada por João de Deus (1495-1550), considerado santo.
Quando a psiquiatria como a conhecemos tomou forma?
O pensamento psiquiátrico surgiu com o médico francês Philippe Pinel (1745-1826), que destruiu os grilhões que acorrentavam os doentes e escreveu uma classificação das doenças mentais. Esse fenômeno se repetiu no mundo todo, e cada país teve o seu próprio Pinel. No Brasil, tivemos Juliano Moreira (1873-1933). Aqui, os casos de doença mental na família real portuguesa inspiraram desde cedo os cuidados psiquiátricos, a começar por D. Maria, a Louca. O primeiro hospital, o Asilo D. Pedro II, foi criado no Rio de Janeiro e internou figuras como Lima Barreto. Esses asilos sempre ficavam em áreas distantes dos centros urbanos, como era o caso da Tamarineira, no Recife.
Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação |
A Tamarineira se chamava Hospital de Alienados. Era uma uma antecâmara da morte. Havia um niilismo terapêutico, que abria espaço para fome, promiscuidade e outras mazelas. Isso começou a mudar com Ulysses Pernambucano de Mello Sobrinho (1892-1943), que fez reforma da assistência psiquiátrica. Era um homem além do seu tempo. Logo após se formar no Rio de Janeiro, em 1918, foi nomeado para ser médico alienista da Tamarineira.
No que consistiu a reforma?
Ulysses Pernambucano criou o Serviço de Assistência a Psicopatas, que incluia terapia ocupacional, uma ferramenta importante no tratamento. Como a maioria das doenças mentais são crônicas, parte desses doentes eram encaminhados para as duas colônias em Pernambuco, uma em Barreiros (masculina) e outra em Monjope (feminina). Eram o fim da linha para os doentes crônicos e sem família.
A realidade das colônias de Pernambuco eram muito diferentes da de Barbacena?
Barbacena foi o pior hospital colônia do Brasil. Era uma “Psicopatópolis”. Não podia ser comparado aos de Monjope e Barreiros, em Pernambuco. Lá faltavam médicos e recursos. Tinha superlotação, ócio, isolamento social e maus tratos. Os serviços particulares também não eram muito diferentes. Passavam pelos mesmos problemas, exceto a fome. Mas não chamaria o que aconteceu em Barbacena de holocausto. Se houve um holocausto brasileiro foi a Guerra do Paraguai.
Hospital Colônia de Barbacena. Crédito: Geração Editorial/divulgação |
O modelo hospitalocêntrico, com atendimento em unidades psiquiátricas dentro dos hospitais, sempre foi o dominante, até que começou a ser combatido em todo o mundo. Houve até um movimento de revolta chamado antipsiquiatria. Essa luta foi por motivos reais, como os maus tratos recorrentes, e até teve um lado salutar, que foi o combate aos asilos, mas o lado negativo da antipsiquiatria era o fato de negar as doenças. As pessoas diziam que as doenças eram apenas de origem social ou política.
Qual foi o novo modelo proposto?
Houve um movimento nacional para reforma do modelo hospitalocêntrico, em favor do tratamento ambulatorial. Mas boa parte dos profissionais, inclusive eu, não apoiamos o fechamento de todos os hospitais psiquiátricos, pois não podemos dispensá-los. Muitos surtos precisam ser tratados. Caiu-se no modelo capicêntrico (voltado para os Caps - Centros de Atenção Psicossocial), que tem virtudes como as equipes multidisciplinares, com terapeutas ocupacionais, enfermeiros especializados e serviço social atuante.
Há também pontos negativos nesse novo modelo?
Algo que lamentei foi quando mudamos os pacientes para o Hospital das Clínicas, onde eles ficam enclausurados. Os doentes mentais precisam pisar no chão e ter sol aberto. Não se coloca enfermaria psiquiátrica em prédio sem pátio. Isso é relevante porque as doenças mentais são um dos maiores problemas de saúde do país. Os Caps deveriam e poderiam ser melhores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário